sexta-feira, 20 de março de 2020

Bom Trabalho


No decurso da pandemia do Vírus Corona decidi voltar a dinamizar este blog.
Para além das habituais bandas desenhadas e desenhos que costumava publicar, irei produzir diferentes textos dedicados aos meus alunos e não só.


A Universidade e o e-learning

Se por um lado o chamado e-learning oferece algumas vantagens evidentes neste contexto de pandemia, por outro lado anuncia o fim da universidade. De facto para que servem os edifícios com salas de aula, anfiteatros, pessoal admnistrativo, propinas e tudo mais, quando a educação transita para a web? Isto é algo que nunca vi reflectido nas reuniões sobre ensino à distância, nas universidades em que lecciono.
Cada vez mais submetidas ao falso consenso dos burocratas, maravilhados com a possibilidade de cortar despesas e apostar no out-sourcing dos seus docentes (reduzidos à categoria de activos, ou mercadorias do mundo empresarial), as universidades são hoje o maior obstáculo à livre circulação de ideias. Assim se explica esta passividade.
Mas eu na qualidade de docente precário que sempre fui, (como a generalidade dos meus colegas abaixo dos 50 anos), sou tão leal às instituições como elas são comigo. Não vejo sentido em restringir o acesso dos conteúdos digitais que produzo aos alunos inscritos nas minhas disciplinas. O meu conhecimento e a minha práctica enquanto artista e docente jamais estarão restritos por senhas de acesso, ou a plataformas digitais específicas. A minha escolha de difusão deve ser tão circunstancial como descomprometida, sob pena de me fechar numa redoma de contactos electrónicos, limitada por terceiros.
Esta crítica ao e-learning na forma como ele é entendido pela academia não pretende menorizar a importância da acessibilidade online de diferentes conteúdos científicos, pelo contrário. Acredito e bato-me por essa acessibilidade, aposto no seu  incremento, mas não me peçam para a tornar exclusiva a assinantes, paga a prestações (ou a propinas neste caso). Se assim for, a docência passa a ser um modelo de negócio, e as universidades serão rapidamente substituídas por agências publicitárias, que melhor servem os interesses do docente-empreendedor.
Por fim cabe-me fazer a apologia do ensino humanizado, que promove relações directas entre pessoas, no aqui e agora de uma sala de aula. A banda desenhada que acompanha este texto foi feita a pensar nisso. Sou artista e professor de desenho. A minha práctica assenta acima de tudo na capacidade empática e as imagens que se produzem em aula apenas por defeito sobrevivem no mundo virtual. Por mais vídeos didácticos que vejamos sobre desenho, pintura ou banda desenhada, aprenderemos sempre melhor com um professor ao nosso lado, intervindo no decurso dos exercícios, desenhando no nosso desenho, colocando questões à medida que elas surgem e não à posteriori, depois do exercício estar terminado. Como diz o meu amigo, artista e professor Nuno Sousa, “o desenho é performativo” e o seu ensino ainda mais...


A execução desta bd, passo a passo:

1 - Esboço preliminar a lápis


Nesta fase o desenho é muito livre. É a primeira camada, sujeita a erros e correcções sucessivas até ficarmos satisfeitos com o ritmo e sequenciação das imagens. Estabelecemos a composição geral e definimos os contornos aproximados dos vários elementos do desenho. É fundamental não pormenorizar demasiado nenhuma vinheta  antes de termos a certeza que a sequência nos agrada. Nesta imagem as vinhetas de cima estão mais trabalhadas do que as de baixo. Mas antes disso apresentaram o mesmo aspecto das últimas, mais “esquissadas”.
Na imagem seguinte vemos o desenho a lápis suficientemente trabalhado para passar a tinta. Habitualmente costumo ser mais lacónico nesta fase, não necessitando de pormenorizar tanto, o que se traduz em ganhos ao nível da espontaneidade do desenho. Quanto mais experientes nos tornamos mais depressa prescindimos dum esboço acabado antes de passar a tinta. Alguns autores como Bill Watterson, autor da série Calvin & Hobbes, chegam a prescindir totalmente do esboço, tão confiantes se sentem. Mas para um principiante isso é tudo menos aconselhável.



2. Passagem a tinta

Início do claro-escuro a tinta, neste caso a aguarela (a cor utilizada é o azúl da prússia). Como se vê é importante manter a unidade da prancha ao longo do processo, em sucessivas passagens de aguadas, do mais claro para o mais escuro, cobrindo a folha toda. A primeira vinheta aqui levou já uma segunda passagem. Depois de estarmos satisfeitos com a intensidade global do claro-escuro é tempo de pormenorizar certas partes mais importantes para a narrativa, como as expressões faciais, as mãos ou o que quer que seja que queremos chamar a atenção do leitor, acrescentando os negros mais intensos (neste caso a tinta da china preta) e eventualmente os brancos (pintados com branco da china), conforme se pode ver na imagem final.